Reflexões

A noite passada tive um sonho desconcertante. A coisa que mais temo nesta história com o Hugo foi aquilo com que sonhei. Nem me atrevo a mencionar. Só digo que supera o medo que eu tenho da humilhação, supera a vergonha que os outros me fazem sentir por gostar dele, supera tudo isso. Foi horrível, fez-me acordar super abatido embora o alívio tenha sido grande depois.
A presença do Hugo assombra-me em todos os lugares, vejo-o noutros tantos e mesmo assim estamos sempre distantes. Quero-o aqui, mas isso parece-me cada vez mais utópico. Estamos separados por uma fronteira, uma fronteira de preconceito, intolerância, vergonha, e somos de mundos diferentes. Mais do que isso, continuamos basicamente dois desconhecidos. Será possível medir a tragédia que isso representa na minha vida? Mas nunca me farei de desentendido na matéria. Sei bem a razão. Ele fugiu porque tem motivos para isso. Pelo menos na cabeça dele. Só que ao mesmo tempo, não consigo ser racional em relação a isto. Ele pensa coisas de mim que eu gostaria mesmo de esclarecer. Este é o assunto número 1 que mais me fez chorar nos últimos dois anos e, neste momento, sinto-me esgotado psicologicamente.
O Hugo tem estado irredutível. Se bem me recordo, contactei-o umas quatro vezes e só obtive uma resposta. Não sei se ele voltou a contactar-me (parece-me que na última vez ele nem me bloqueou), mas as contas no Facebook que eu usava para o contactar eram falsas e já nem tenho acesso àquilo. O único meio de contacto que ele teria comigo seria este blogue e não o vejo a comentar aqui – é demasiado impessoal e tem demasiada exposição para algo do género. E é por isso que se tornou imperativo apresentar-me oficialmente. Abrir o jogo. Demorou um ano e meio. Faz este mês um ano e meio que lhe falei pela primeira vez. Agora sinto que não tenho outra saída. Não vou utilizar terceiras pessoas, não vou criar mais perfis falsos, não o vou perseguir para obter o email ou número de telemóvel. Não vou mais invadir o espaço dele. Sei que sou indesejado, mas quem merecerá mais a atenção dele, quando sou eu a pessoa que mais o adorou e adora? Por que é que isso é assim tão inconcebível para ele a ponto de me ignorar desta maneira? Queria que ele me explicasse o ponto de vista dele, mas também queria poder demovê-lo.
Sinto-me patético a escrever isto tudo. Não é a primeira vez que sinto isto, confesso. O blogue foi o meu refúgio em tempos de angústia, acreditem. Foi o meu refúgio naquelas alturas em que eu estava bem lá em baixo, em que eu não queria partilhar o meu sofrimento com pessoas conhecidas e sim com desconhecidos por saber que esses nunca me iriam julgar ou condenar. Acho até que “A Minha Intensa Paixão” me salvou quando eu me sentia a cair, me orientou quando eu me perdi. No fundo, ajudou-me a superar o martírio, que na verdade ainda não terminou.
Comecei ontem à noite a redigir a mensagem que lhe vou enviar brevemente. Receio a reacção dele. Desta vez receio mesmo. Desta vez vou ser eu mesmo, ali, a enfrentá-lo. Desta vez ele vai mesmo desvendar o enigma que eu representei ao longo dos últimos meses. Tudo tem um preço. Isto vai doer. Bem sei. Tenho de me preparar para perder, para perder o que nunca tive. Vai ser uma abordagem diferente. Mas como suplicar a amizade a alguém que nos despreza pelo facto de simplesmente sentirmos o que sentimos? Seja lá qual for a forma, eu finalmente encontrei a luz ao fundo do túnel. O problema agora é ter forças para chegar ao fim.
Seja lá o que acontecer, eu já venci algumas batalhas. A minha vida começou a mudar, a partir de Julho. Finalizar a licenciatura foi a minha maior vitória até hoje. Teve um sabor especial, ainda para mais porque eu estive a um ponto de desistir. Aquela faculdade fazia-me mal à alma (e agora tudo se repete mas isso é outra conversa, que até já mencionei). Andei ali mais um ano, a sentir a presença dele. Em Outubro, obtive outra vitória. Ser admitido na pós-graduação fez-me sentir forte, fez-me acreditar mais em mim, que eu podia eventualmente chegar ao topo. De certa forma, emancipei-me. Hoje sou um ser humano que, como qualquer outro, teve as suas alegrias e tristezas, mas que chegou onde muita gente não chegou: e esse sítio que se chama ter orgulho em nós próprios. É certo que não nasci da forma que eu queria. E, ironicamente ou não, esse é o factor que afasta o Hugo de mim! À partida, não era suposto ter orgulho em mim. Mas quando me conceberam ninguém me perguntou: queres nascer rapaz ou rapariga? Honestamente, eu não me adoro. Não represento aquilo que eu queria ser na verdade, mas sou assim. E nunca se tratou de uma escolha. Foi sempre um dado adquirido. A minha identidade de género mandou-me abaixo vezes sem conta e os outros com quem lidei sempre fizeram questão que assim fosse. Mas não morri e conquistei coisas de que me posso orgulhar. Consegui amadurecer, consegui formar-me, consegui sobreviver no meio da escuridão, no meio do preconceito e do ódio. E isto tudo faz-me pensar muito… Que talvez não seja boa ideia tentar trazer o Hugo para o meu mundo, aborrecê-lo com as minhas inseguranças, basicamente, com o meu drama. Embora eu tenha trunfos – a minha paixão, a minha amizade, a minha dedicação – será que eles são uma boa moeda de troca? Um dia ele dar-me-á essa resposta, um dia que já esteve mais distante.

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