Não é uma escolha, nunca foi

Nunca houve espaço para mim na vida do Hugo. O orgulho e o preconceito dele simplesmente não me deixam fazer parte da sua vida e ele não está disposto a fazer um mínimo esforço para que isso aconteça, nunca fez. A leitura que faça disto tudo é que a princípio ele julgou que tudo não passava de uma brincadeira, de um jogo, de alguém que o queria “apanhar”. Depois ele caiu em si, contou o sucedido aos mais próximos e de seguida troçaram da situação e de mim (embora no fundo ele não achasse graça nenhuma). Após isso, a ideia de haver um rapaz que ele desconhece pessoalmente e que gosta dele atormentou-o por meses (principalmente nos momentos em que ele estava sozinho e que tinha tempo para pensar), até que ele amadureceu a ideia e tentou esquecer tudo o que sinceramente duvido. Foi mais ou menos assim que que situação evoluiu no lado dele.
A verdade é que eu amaldiçoei-me por ser o que sou, por ser como sou e por, consequentemente, gostar dele. A verdade é que verti mais lágrimas por ele no último ano do que na minha vida toda. A verdade é que eu não gosto dele ao acaso, porque se assim fosse nunca me tinha exposto a isto. Se tivesse havido liberdade de escolha, eu nunca teria escolhido o Hugo porque sei que seria o melhor para ambos. A verdade é que eu sinto que esta é uma causa perdida.
As pessoas costumam dizer que o tempo cura tudo. E eu acreditei nisso. Quis tanto acreditar. Tive muita esperança no tempo e estava convicto que ele estava do meu lado. Esquecer o Hugo foi aquilo que mais desejei, a seguir a ele próprio. E isto é a mais pura das verdades. Mas o tempo nunca foi meu aliado, enganou-me e parece que agora a minha paixão está mais ardente do que nunca. Imaginem só o meu desespero quando percebi que o tempo não ia resolver coisíssima nenhuma…
Foi uma escolha ter nascido com um sexo e num corpo com os quais não me identifico? Não. Foi uma escolha apaixonar-me por um rapaz heterossexual? Não. Foi uma escolha sofrer por causa disto tudo? Com certeza que não. Se não foi uma escolha, por que é que este rapaz não me aceita e nem faz um mínimo para compreender? Mereço ser punido por algo de que não tenho a culpa? Até que ponto isso é justo?
A minha dor inflama, enquanto ele segue o seu caminho. E eu sei, eu sinto, que ele está feliz. Mais cedo ou mais tarde, vou ter de me atravessar à frente do caminho dele, sem medo ou vergonha, numa tentativa de me libertar de uma vez por todas. Não é uma escolha, nunca foi.

Arrependimento

Há uma coisa da qual tenho de falar ou então explodo. Preciso de me livrar disto, de ficar com a consciência tranquila. Não sou pessoa de me arrepender. Gosto de pensar que sou uma pessoa determinada e que nunca olho para trás depois das atitudes que tomo e dos caminhos que sigo. Isso sempre foi uma das minhas teorias de vida. Tenho andado estes dias a reflectir sobre os últimos acontecimentos. E embora me tenha apetecido falar disto mais cedo, não consegui. As palavras não saíam. O arrependimento estava a bloquear-me e tem-me atormentado nos últimos dias.
Fiz um exame de melhoria de nota na semana passada e depois disso só me falta adquirir o certificado de licenciatura. Naquele dia senti que não pertencia mais àquela faculdade, que a missão tinha sido cumprida e que eu podia finalmente ir embora como tanto tenho desejado ao longo dos últimos meses. Porém, isso era o que eu pensava. Ganhei uma aversão à faculdade que começou a fazer-me mal. Culpei-a por todos os dissabores que ali tive. Eu não estava feliz e não estou feliz e atribuí as culpas todas à faculdade. E isso não foi correcto. Estive mal e agora reconheço isso. Senti hostilidade por parte de colegas em determinadas alturas e tive azar por me apaixonar por um deles, mas fora isso, nada de ruim aconteceu. Agora sinto-me culpado por ter amaldiçoado um sítio que me acolheu durante vários anos. Foi a faculdade que me fez vir morar para Lisboa e passei momentos alegres nesta cidade que jamais esquecerei. Eu vim morar para Lisboa com o propósito de estudar ali. Não era justo eu continuar a culpabilizar a faculdade por coisas que já nem me interessam e que tenho tentado varrer da minha memória.
Naquela tarde, quando saí de lá, depois do exame, senti um vazio enorme e bateram-me saudades. Vieram-me à memória imensos momentos que ali passei. Chorei mais do que aquilo que devia. Já sinto saudades. Foi a faculdade que me abriu os horizontes, que me tornou uma pessoa mais forte. Já não sou mais o menino frágil e indefeso que era quando fui para ali estudar. Eu amadureci ali. E tenho de agradecer a todos os professores e aos muito poucos colegas que se mostraram sempre disponíveis a ajudar-me. Mas agora é tempo de olhar em frente. A vida continua. E quero que este arrependimento passe depressa, porque é um peso muito pesado para suportar.

Beco sem saída

Ando tão nervoso, uma verdadeira pilha de nervos. Dou voltas e voltas à minha cabeça, à procura de uma solução para isto. Parece um caso de vida ou morte. Um ano e meio nesta situação ultrapassou os limites do aceitável. De lá para cá ando a correr, de um lado para o outro, à procura de uma saída. E infelizmente não encontrei nenhuma até agora.
Há tantas coisas que ainda tenho por dizer. No meio disto, felizmente, aconteceu alguma coisa positiva. Estou a um passo de terminar oficialmente a minha licenciatura e espero brevemente poder ir tratar da minha candidatura ao mestrado. Também já tenho em vista o estágio, mas uma coisa de cada vez. E pensar nisto deixa-me desconfortável, porque já não sou a pessoa segura e decidida que fui em tempos. Pelo menos, tenho seguido com a minha vida para a frente.
Mas é óbvio que o Hugo não me sai da cabeça. Não há um dia que eu não me lembre dele, que não visualize o seu rosto na minha imaginação. E porquê, depois deste tempo todo? Não faço ideia. Só sei que ele não me "larga". E quando penso que gosto assim de alguém que não me quer na sua vida, abate-se uma tristeza sem dimensão sobre mim. Não há espaço para mim na vida do Hugo. Nunca houve. Eu não vou criticá-lo, já disse. Cada um escolhe o melhor para a sua vida. Eu só tenho que aceitar e mais nada. Se para ele toda e qualquer pessoa é mais importante e mais merecedora da sua amizade do que eu, o que é que eu hei-de dizer-lhe ou fazer para contrariar isso? Seria incoerente da minha parte. As coisas são como são. Mas ficar neste anonimato também não quero nem vou ficar. Prefiro que nos tornemos inimigos, embora isso nunca vá acontecer porque ele não é assim. Coloquei este rapaz num pedestal de tal maneira que agora ando à procura de uma forma de ganhar relevância na sua vida. Rebaixei-me. Sinto-me humilhado sem o ter sido efectivamente. A humilhação também é algo que me assusta. Eu não vou fazer juízos de valor sobre ninguém que não conheço pessoalmente, mas creio que há ali algumas pessoas à volta dele que não perderiam a oportunidade de me "atacar" com preconceitos mal ele lhes contasse (como já fez anteriormente). E aí reside um grande problema para mim. O medo da humilhação tem estado a impedir-me de ir atrás da única pessoa que até hoje me fez sonhar, gritar de agonia, chorar, tremer e sei lá mais o quê. No fim de contas, esta é a batalha entre o medo da humilhação e o amor que eu sinto. E mesmo que eu sinta que isto não vai dar em nada, eu sei que a minha paixão vai eventualmente ganhar por ser mais forte. Enquanto isso não acontece, não consigo sair deste beco sem saída.

Luz vs Escuridão

Já aqui afirmei uma série de vezes que gosto muito de observar o céu à noite. É das coisas que mais me dá gozo fazer, porque naqueles momentos estou em serenidade total. Numa noite destas estava a ver uma estrela a cintilar que se sobressaía das outras e pensei que ela já podia não existir, que já podia ter-se extinguido e que a sua luz viajava pelo universo há milhões e milhões de anos. E depois isso fez-me pensar que na vida tudo tem um fim. Tudo começa e tudo acaba. No meio, cabe-nos a nós encontrar o equilíbrio. Procuro por esse equilíbrio. Mais do que isso, preciso dele. Há momentos em que me sinto como um desses artistas de circo, que atravessam as cordas lá em cima e então sinto-me prestes a cair por não conseguir encontrar esse equilíbrio. Nem podia encontrar com o rumo que as coisas têm tomado. A bem dizer a minha vida é um circo, mas não um desses divertidos. É mais um circo dos horrores em que eu sou a atracção principal. Parece que tenho sempre alguém a rir-se de mim nas minhas costas, que acha piada à minha desgraça, quando eu tento desesperadamente mostrar a todo o custo que está tudo bem comigo. Faz parte da farsa.
O Hugo foi a minha luz e a minha escuridão. Para mim ele representa essa dualidade. Representa o bem e o mal. Fez-me imaginar coisas extraordinárias que eu nunca pensei imaginar, iluminou o meu mundo monótono e cinzento. Mas depois fez-me sofrer como ninguém o fez e o meu mundo mergulhou numa escuridão eterna. Ele disse-me indirectamente que o mundo continua a girar, que não podia haver uma aproximação entre nós e que cada um segue o seu caminho. Foi desta maneira que eu interpretei o que me foi dito por ele há um ano atrás. O meu sonho terminou mesmo antes de ter começado. Será isso possível?
Não consigo largar a questão, porque gosto dele demasiado. É como se eu me tivesse apaixonado inescapavelmente por ele. É como se eu tivesse sido hipnotizado e não conseguisse sair deste transe. Ao menos fiquei com a certeza que isto não era uma paixoneta irrelevante. Cresci finalmente e já consigo amar alguém incondicionalmente. Creio que o amor é isso. Mas nem tudo são rosas. Enquanto gosto dele, ponho-me a imaginar coisas horríveis. Mesmo não indo ao perfil dele no Facebook há meses, por precisar de afastar-me, de vez em quando lembro-me dele e de quem o rodeia e de como ele se relaciona com aquela gente toda. Ponho-me a imaginar as raparigas com quem ele tem tido contacto ao longo destes últimos meses. Acho que é inevitável pensar nisto, mesmo que isto me faça profundamente mal. Eu nunca poderei competir com isso. Nunca poderei ser o que não sou, nunca poderei ser o que ele gosta, o que ele quer. Eu nunca vou ser uma delas. É trágico demais! Mas fico feliz por finalmente ter conseguido dizer isto. Finalmente! Estou a começar a enfrentar as coisas tal e qual como elas são, estou a começar deixar de sentir vergonha do que sinto. Porém, não adianta. Não adiantava nem que eu me pintasse de ouro. Para ele vou representar sempre um acidente de percurso, tanto que ele até mencionou o facto de isto tudo poder ser uma "brincadeira". Só por eu ser um rapaz que eventualmente se impressionou por ele? Será que ele só se vai lembrar de mim, daqui a uns tempos, como uma simples piada? Será que nenhuma das inúmeras lágrimas que eu verti por ele contou? Será que ele me respeita, a mim e às minhas lágrimas?
Estou cansado de querer o impossível, de esperar sem alcançar, de temer, no fundo, de viver.

Mais pensamentos, mais confissões

Mais uma noite sem sono. Uma entre tantas. Olho tanto para o céu enquanto penso que até acho que sei o sítio exacto de cada estrela. Sentir-me assim não é uma escolha. Foram as circunstâncias que me trouxeram até onde estou hoje: sozinho, num mundo escuro, como que numa realidade paralela. Ando à procura de uma saída, quer dizer uma solução, mesmo que eu acredite que não existe nenhuma.
Cansei de queixar-me a quem me rodeia. Cansei de lamentar-me sem dizer o que realmente se passa. Mas isso tem um preço. Saio à noite, como não sei quantas pessoas, rio-me como se estivesse tudo bem. Observo os outros à minha volta. Eles riem, eles saltam, eles dançam, eles bebem, no fundo, eles vivem. Eu? Eu ali estou, a sofrer em silêncio, aos gritos por dentro. Já aqui tinha admitido, há uns tempos, que tornei-me, ao longo dos anos, uma pessoa oca, que vive das aparências. Foi a forma que eu encontrei para me proteger das más línguas. E isso também tem um preço. Por vezes parece que sou feito de plástico, não me sinto autêntico. Não finjo ser alguém que não sou de verdade, não é esse o caso. Mas por estar sempre com receio do que os outro possam pensar sobre mim, acabo por não viver a minha vida, tanto que me tornei nesta figura plástica, oca, arrogante (por fora). Sou uma pessoa forte e maldosa aos olhos dos outros; foi essa a imagem que eu construí ao longo dos tempos. Foi a maneira que eu encontrei de me defender. E embora quem me lê pense que isto seja difícil admitir, eu digo que esta é a parte fácil. O difícil é eu ter nascido de uma forma que não me agrada, ter nascido no corpo errado. Difícil é ser transgénero em pleno século XXI, quando a civilização se gaba ser a mais avançada de sempre mas no fundo isso é falso: estamos rodeados por falsos moralistas e fundamentalistas disfarçados. O difícil para mim é não gostar de ser quem sou e por ter sido rejeitado por quem gosto por ser tal e qual como sou. É como se fosse uma dupla reprovação à minha pessoa, uma minha e outra do Hugo. Isso é que é duro!
E como não bastasse ainda me sinto um intruso na vida dele. Pelo menos ele e os amiguinhos dele assim me fizeram sentir, um intruso, um intrometido e tantas outras coisas, como aqueles insultos pejorativos homofóbicos que todos conhecemos. Um intruso que ele enxotou como se enxota uma melga. Já admiti a derrota. O sonho tornou-se um pesadelo, mas aquilo que eu sinto é bastante real. Eu pergunto-me tantas vezes, enquanto choro naqueles momentos agoniantes: "Se Deus existe mesmo, porque é que ele deixa as pessoas sofrerem assim?" Eu não vou fazer-me de vítima. Longe de mim. Não serei a primeira nem a última pessoa no mundo a ter uma desilusão de amor. Mas é que eu não vou ser capaz de esquecer, de deixar isto para trás. Não vou! O Hugo é o meu maior enigma. Até hoje, depois de tantos meses, não consigo perceber o que há nele que me atraia tanto, visto que eu nem sequer o conheço bem. Isto está a enlouquecer-me e a enfraquecer-me. Vi nele o tal rapaz que que me podia oferecer protecção, atenção, carinho e tudo mais. Praticamente, tudo o que uma rapariga comum procura noutra pessoa. E é aí que começa a minha dicotomia. Um amigo meu, diga-se heterossexual, costumava dizer-me "Eu não percebo a cabeça das mulheres nem a tua". Eu ria-me tanto com aquilo, mas agora vejo que aquilo fazia todo o sentido. Eu procurei no Hugo algo que ele não me podia dar, porque eu não correspondia às expectativas dele como ele correspondia às minhas. Noutras palavras, a sexualidade foi quem dominou o jogo todo. Eu joguei as cartas, mas no fim foi ela (a sexualidade) quem venceu e o Hugo ficou ali, a ver a minha derrocada. Não o censuro. Deve ter sido estranho para ele ter uma pessoa como eu, que ele nem sequer imaginava, a dizer que gostava dele. Não lhe estou a dar razão, só estou a dizer que compreendo a posição dele, mesmo que ele não compreenda a minha. Resta-me esperar que ele aprenda a lição, que deixe de julgar as pessoas por uma coisa tão banal que é a orientação sexual.