Não sou como me pintam!

Houve momentos em que pensei que eu era simplesmente aquilo que as pessoas diziam que eu era. Cheguei a pensar que era somente aquilo que as pessoas pensam que eu sou, mas não sou mesmo como elas me pintam. Nem perto, nem longe. Foi um processo lento e complicado até eu perceber que não sou uma aberração, mas tão humano como qualquer outro. Custou-me enquanto não percebi. E ainda me custa, quando ouço bocas foleiras ou por saber o que realmente ainda pensam de mim. Verdade seja dita, eu talvez tenha procurado isso, mas não me apetece disfarçar forçadamente nada. Tenho de preservar a minha identidade, preciso de ser eu mesmo, porque mais ninguém pode fazer isso por mim. A minha vida não gira em torno dos outros, mas de mim. E começo a importar-me cada vez menos com a opinião alheia. Aquilo estava destruir-me. Eu não posso, nem agora, nem nunca, impedir que alguém se venha a rir nas minhas costas ou que me humilhe em via pública. Já passei por coisas das quais não me quero recordar mais. No fundo, os outros sempre tiveram inveja de mim e talvez sintam alguma insegurança em relação às suas preferências sexuais. Eu até hoje ainda não percebi por que é que aquele que é diferente despoleta tanto ódio em alguém.
Eu tenho sido uma das pessoas mais imparciais de sempre. Não me consigo lembrar de uma única confusão nos anos que passei na escola ou na faculdade. Nem uma! E no entanto o ódio persegue-me, sempre me perseguiu. Não entendo como é que alguém se sente bem a odiar outra pessoa. É um prazer mórbido. E nem estou a falar por mim, já não é o meu caso. Já não me permito sofrer com o preconceito e com o veneno dos outros. Superei isso. Amadureci. Não sou mais aquele adolescente que se se ia abaixo com todas as acusações e humilhações. Isso acabou. Mas se hoje sou uma pessoa fútil, artificial, vingativa, calculista, e de certa forma, maldosa, a culpa não foi minha. Foram as circunstâncias da vida. Uma pessoa tem que agarrar as armas que tem à mão. Fui à luta, como qualquer outro. Mas eu sou mais do que este aspirante a classe social alta que sou, sou mais do que esta avassaladora paixão que sinto pelo Hugo, sou mais do que as roupas de marca que visto, sou mais dos perfumes caros e maquilhagem que uso, sou mais do que a licenciatura que tirei, sou mais do que o "gay" que os outros dizem que sou. Sou mais do que tudo isso. Valho muito mais do que isso tudo. Mais uma vez: eu não sou como os outros me pintam. As pessoas, na verdade, não me conhecem, porque eu nunca me dei realmente a conhecer. Nem a minha própria mãe me conhece e revelou-se uma grande desilusão há uns meses. Não preciso que ninguém me acuse de coisas que eu nunca fiz nem de ninguém que me julgue e que me desrespeite. Para mim, a minha mãe já não significa grande coisa na minha vida e agora estou mais perto do que nunca de me tornar 100% independente.
Preciso de me livrar de todas as pessoas cínicas à minha volta, incluindo amigos, e isso também se aplica a um dos meus progenitores. Preciso de pessoas que me respeitem como eu sou e que não me controlem, que não digam o que devo ou não fazer ou como devo ou não ser. Preciso de paz e liberdade e felizmente agora sinto que os ventos começaram a soprar a meu favor com esta licenciatura. Daqui para a frente vou começar a viver por mim e para mim, sem ter que me preocupar com o que os outros acham de mim ou daquilo que eu faço. Há cura para o preconceito: é a liberdade. Se sou livre, sou imune à maldade e nada me pode apanhar.
O Hugo... Irrita-me o facto de que alguém praticamente desconhecido para mim seja tão importante para mim. Já disse vezes sem conta que não o escolhi e não me consigo "livrar" dele. Pedi-lhe ajuda, pedi indirectamente que ele me salvasse do sufoco que eu estava a viver e que ele nem imaginava, mas foi em vão. Ele foi egoísta e preconceituoso como todos os outros. E lamento muito. Não queria nada disto.
Mas hoje posso respirar fundo e dizer que sou um Miguel mais confiante, mais determinado, emancipado, amadurecido, enfim, um jovem adulto que está no poder da sua própria vida e sem se deixar ser afectado por mais ninguém! Isso chama-se crescer e eu finalmente cresci.

Azul & Rosa

Inevitavelmente, eu tenho um bocado das cores azul e rosa em mim. Vão acompanhar-me para sempre. Azul e rosa vão ser sempre cores opostas e os opostos atraem-se, recorrentemente. No entanto, eu vou estar sempre ali no meio. Não sou uma coisa nem outra e ao mesmo tempo sou as duas coisas. Sou como não quero e quero ser o que não sou.
O azul costuma estar associado à frieza, depressão, monotonia. Também à paz, à ordem, à harmonia. O azul é uma cor masculina e agressiva, com a qual eu me identifico pouco mas que está em mim. Uma parte de mim é azul. Sou azul por ter nascido com este corpo. Sou azul por ser frio e depressivo. Sou azul por ser quem sou.
Por sua vez, o rosa está relacionado com o amor altruísta e verdadeiro, com a sensibilidade, com o carinho e com a inocência. O cor-de-rosa está culturalmente relacionado com o elemento feminino ou homossexual. Por razões óbvias, eu sinto-me mais rosa do que azul, embora contra a minha vontade não o seja. Sou rosa porque quero ser o que realmente não sou.
Procurei no Hugo aquilo que o azul representa (força, estabilidade, confiança), que não é mais do que aquilo de que o rosa carece. Mas como é que o azul aceitará outro azul se aquilo que ele procura é puramente rosa? Eu não represento nada daquilo que aquele rapaz procura, embora quisesse. E isso é trágico. Não espero que ninguém compreenda o que estou a dizer, mas estou a dizê-lo porque sinto necessidade de o fazer. No meio disto tudo, desta procura e rejeição, perdi-me.
Dê por onde der, eu vou ter sempre estas duas cores em mim. Não sou somente uma ou outra. E mais do que ninguém, lamento por ser assim e por não ter direito a ser amado por quem quero pelo simples facto de eu ser azul e rosa. E eu não posso mudar isso. O azul é a minha existência, o rosa a minha essência.
Para finalizar, esta foi só uma forma de me manifestar sobre o meu transgenerismo. Precisava desesperadamente de o fazer e foi assim que consegui fazê-lo.

Inevitável

Ontem à noite, estava na cama, e massacrava-me mais um bocado com esta história. Aliás, não há uma única noite em que eu não pense sobre isto antes de dormir.
As pessoas que me lêem provavelmente ficam com uma ideia errada de mim, podem pensar que sou um pobre coitado, um mal amado, etc. Até um certo ponto, isso é certo. Às vezes sinto-me como lixo por causa disto, já chorei rios, não tenho problemas em afirmar. Mas sou tudo menos um fracasso. No meio de tanta melancolia e sofrimento, licenciei-me (e não sei como, se calhar por subestimar-me demais). Porém, assumo as minhas derrotas. Admito que perdi esta guerra. Admito que falhei no que toca ao Hugo e noutras tantas coisas que agora não vêm ao caso. Não o abordei como deveria ter sido, não fui capaz de fazê-lo mudar de ideias em relação a isto ou a mim. Admito que o destino me derrotou. Destino esse que me levou até ao Hugo, como se fosse inevitável isso ter acontecido. Parece que vivi a minha vida toda para chegar até àquele grande momento: ver e tomar conhecimento do Hugo.
Apesar de toda a desilusão e tristeza que experienciei, também fui feliz. Naquela época, entre eu ter-me apaixonado pelo Hugo e antes de lhe ter contado o que sentia (estou a falar de 4 meses e qualquer coisa) estive nas nuvens. Era uma alegria sem precedentes que se apoderou de mim. Era uma alegria artificial, uma ilusão que eu estava a viver, mas soube-me bem. Acho que também foi inevitável isso ter acontecido dada a minha ingenuidade. Mas foi bom, mesmo sabendo tudo o que veio a seguir. Mas isso não importa mais. Tenho que me agarrar àquilo que é positivo e deixar as coisas más de lado.
Faz mais de um ano que me cruzei com ele na rua e desde então que nunca mais o vi pessoalmente. Daqui a alguns meses fazem dois anos que gosto dele. E isto não é fictício, é pura realidade. Vivo das memórias e tenho medo do futuro. Não faço ideia de como vai ser daqui para a frente. Não me encontro profissionalmente, não é uma área que me agrade, honestamente. Mas agora não há volta a dar. Também não me sinto mentalmente capaz de enveredar por um mestrado ou pós-graduação, embora o vá fazer. Talvez eu tenha de fazer esse esforço, para ocupar a minha mente. Quanto à parte afectiva, ainda é mais complicado. O meu lado racional já desistiu do Hugo. Não tenho hipóteses. Arde só de pensar, quanto mais admitir. Mas o meu lado emotivo, nunca desistiu, aliás nunca parou de pensar em arranjar uma forma. Uma forma de tocar a consciência daquele rapaz, de o sensibilizar. E por mais racional que eu tenha tentado ser, uma coisa é certa: eu já não sei viver sem a figura do Hugo. Eu não sei o que é isso. É como se ele tivesse feito parte de mim desde que nasci. É como se ele me completasse. Sinto a presença dele, como sempre senti quando frequentávamos a faculdade na mesma altura. Há algo nele que me atrai profundamente e não estou a falar do aspecto físico. Parece algo magnético. Quem me dera que isso fosse tudo uma treta e eu pudesse seguir com a minha vida, mas é bem real. O que fazer? Tenho medo de me magoar mais, mas se calhar magoar-me-ia mais se desistisse de quem gosto. Estou num desespero enorme. Perdi-me neste labirinto de contradições e não encontrarei uma saída tão cedo. E embora perdido, já decidi qual é o caminho que vou seguir, quer ele me leve à liberdade ou não.