Mais pensamentos, mais confissões

Mais uma noite sem sono. Uma entre tantas. Olho tanto para o céu enquanto penso que até acho que sei o sítio exacto de cada estrela. Sentir-me assim não é uma escolha. Foram as circunstâncias que me trouxeram até onde estou hoje: sozinho, num mundo escuro, como que numa realidade paralela. Ando à procura de uma saída, quer dizer uma solução, mesmo que eu acredite que não existe nenhuma.
Cansei de queixar-me a quem me rodeia. Cansei de lamentar-me sem dizer o que realmente se passa. Mas isso tem um preço. Saio à noite, como não sei quantas pessoas, rio-me como se estivesse tudo bem. Observo os outros à minha volta. Eles riem, eles saltam, eles dançam, eles bebem, no fundo, eles vivem. Eu? Eu ali estou, a sofrer em silêncio, aos gritos por dentro. Já aqui tinha admitido, há uns tempos, que tornei-me, ao longo dos anos, uma pessoa oca, que vive das aparências. Foi a forma que eu encontrei para me proteger das más línguas. E isso também tem um preço. Por vezes parece que sou feito de plástico, não me sinto autêntico. Não finjo ser alguém que não sou de verdade, não é esse o caso. Mas por estar sempre com receio do que os outro possam pensar sobre mim, acabo por não viver a minha vida, tanto que me tornei nesta figura plástica, oca, arrogante (por fora). Sou uma pessoa forte e maldosa aos olhos dos outros; foi essa a imagem que eu construí ao longo dos tempos. Foi a maneira que eu encontrei de me defender. E embora quem me lê pense que isto seja difícil admitir, eu digo que esta é a parte fácil. O difícil é eu ter nascido de uma forma que não me agrada, ter nascido no corpo errado. Difícil é ser transgénero em pleno século XXI, quando a civilização se gaba ser a mais avançada de sempre mas no fundo isso é falso: estamos rodeados por falsos moralistas e fundamentalistas disfarçados. O difícil para mim é não gostar de ser quem sou e por ter sido rejeitado por quem gosto por ser tal e qual como sou. É como se fosse uma dupla reprovação à minha pessoa, uma minha e outra do Hugo. Isso é que é duro!
E como não bastasse ainda me sinto um intruso na vida dele. Pelo menos ele e os amiguinhos dele assim me fizeram sentir, um intruso, um intrometido e tantas outras coisas, como aqueles insultos pejorativos homofóbicos que todos conhecemos. Um intruso que ele enxotou como se enxota uma melga. Já admiti a derrota. O sonho tornou-se um pesadelo, mas aquilo que eu sinto é bastante real. Eu pergunto-me tantas vezes, enquanto choro naqueles momentos agoniantes: "Se Deus existe mesmo, porque é que ele deixa as pessoas sofrerem assim?" Eu não vou fazer-me de vítima. Longe de mim. Não serei a primeira nem a última pessoa no mundo a ter uma desilusão de amor. Mas é que eu não vou ser capaz de esquecer, de deixar isto para trás. Não vou! O Hugo é o meu maior enigma. Até hoje, depois de tantos meses, não consigo perceber o que há nele que me atraia tanto, visto que eu nem sequer o conheço bem. Isto está a enlouquecer-me e a enfraquecer-me. Vi nele o tal rapaz que que me podia oferecer protecção, atenção, carinho e tudo mais. Praticamente, tudo o que uma rapariga comum procura noutra pessoa. E é aí que começa a minha dicotomia. Um amigo meu, diga-se heterossexual, costumava dizer-me "Eu não percebo a cabeça das mulheres nem a tua". Eu ria-me tanto com aquilo, mas agora vejo que aquilo fazia todo o sentido. Eu procurei no Hugo algo que ele não me podia dar, porque eu não correspondia às expectativas dele como ele correspondia às minhas. Noutras palavras, a sexualidade foi quem dominou o jogo todo. Eu joguei as cartas, mas no fim foi ela (a sexualidade) quem venceu e o Hugo ficou ali, a ver a minha derrocada. Não o censuro. Deve ter sido estranho para ele ter uma pessoa como eu, que ele nem sequer imaginava, a dizer que gostava dele. Não lhe estou a dar razão, só estou a dizer que compreendo a posição dele, mesmo que ele não compreenda a minha. Resta-me esperar que ele aprenda a lição, que deixe de julgar as pessoas por uma coisa tão banal que é a orientação sexual.

6 Response to "Mais pensamentos, mais confissões"

  1. José Says:

    Não é fácil viver... É muito difiil... Não é fácil ser alguém num mundo tão grande, mas acho que o Hugo no seu fundo devia pensar que ter alguém a gostar dele como tu só pode ser um surtudo! Porque não é fácil encontrar alguém tão especial.
    Mas o que te pode interessar agora és tu mesmo!!! Tenho a certeza que tu vais encontrar alguém que te faça sentir especial e que te vá dar os melhores momentos da tua vida! :D
    Força Força!

  2. José Says:

    Deixa-me dizer-te que nestes dias compartes os gostos musicais... Dido e Thank You é do melhor que pode haver para mim...Parabéns por isso também :D

  3. Miguel Says:

    O teu primeiro comentário é curioso porque dizes que ele devia sentir-se um sortudo...
    Houve alguém que postou aqui no blogue há uns meses (não sei se era rapariga ou rapaz) que afirmou que gostaria muito de ter alguém que gostasse dele/dela como eu gosto do Hugo. Parece que eu e tu não somos as únicas pessoas a notar isso.
    Sobre a música, eu também adoro a "Thank You". É muito simples e autêntica. Ando a preparar um segundo volume com músicas que tocam no blogue. Há sempre quem queira. :)

  4. Mércia Says:

    É realmente triste haver tanto preconceito em relação a sexualidade em pleno século XXI.

  5. Anónimo Says:

    A Mércia com certeza deve achar que o século XXI trouxe ao mundo o auge do desenvolvimento. Desengane-se, o mundo nunca será perfeito, haverá sempre quem seja preconceituoso em relação a todos os aspectos.

  6. Miguel Says:

    Anónimo/a, a Mércia só estava a revelar o seu descontentamento perante a realidade que se vive. Todos sabemos que o preconceito vai existir sempre na História da Humanidade.