A vida dá voltas

Ponho-me a pensar nas voltas que a minha vida tem dado. Queixo-me que nada acontece, que está tudo igual, que só existe monotonia à minha volta, mas isso não é verdade. As coisas mudaram.
A primeira grande volta da minha vida teve lugar a partir de 2006. Para começar, já não sou aquele menino que foi para Lisboa em busca de um sonho. Aprendi tanto e sozinho. Sem a ajuda de ninguém, abri as portas que me conduziram àquilo que sou hoje. No entanto, nem tudo foram rosas. Foi complicado estabelecer-me. Tive bastantes dificuldades em adaptar-me ao ambiente da faculdade, e como transgénero que sou, com todos os meus maneirismos femininos, senti sempre grande pressão à minha volta. Tive de provar sempre que era competente, que merecia estar ali como qualquer outra pessoa. Tive de provar mais do que a maior parte. Tive, também de me esconder, de me refugiar, para chamar a menor atenção possível. Lembro-me, já para o fim da licenciatura, que quando contei ao Hugo que gostava dele, não frequentei de propósito as aulas de uma cadeira opcional que tínhamos em comum, na qual obtive nota 14 em regime não presencial. Quis evitá-lo o máximo possível e não deu em nada. Foi um preço alto que paguei.
Prejudiquei-me e para quê? Ando a fugir do quê? Sim, é verdade que a nossa sociedade é machista, na qual só os homens viris mas incultos e as mulheres bonitas mas ocas em conhecimento são valorizados. Por um lado, orgulho-me por não ser uma coisa nem outra. Por outro lado, andar em cima da linha é um preço muito alto a pagar. E eu que o diga, meus caros.
Lisboa ajudou-me, deixou-me respirar. Eu andava a sufocar na minha cidade natal por não poder ser eu e só tinha 18 anos. Em Lisboa, posso carregar um bocado no contorno de olhos ou vestir uma roupa mais arrojada que ninguém me vai censurar por isso. Em Lisboa, além de ter aprendido a ser autónomo, pude também ser eu mesmo, fazer uso da minha verdadeira personalidade. E isso não tinha acontecido até então.
Em 2009, foi a segunda grande volta. O ano em que surge o Hugo, que nunca foi mais do que uma ilusão. Já aceitei a rejeição dele, mas não a compreendo. Não consigo. Não havia nada, a meu ver, que impedisse um relacionamento saudável entre nós. Ele parece-me ser um rapaz bem relacionado, mas optou por querer afastar quem mais lhe queria bem - justamente eu. Tenho a certeza que pus ali alguma coisa em causa, mas não sei bem se cheguei a ser encarado como uma ameaça para ele. É uma pena. Ele podia ter aprendido tanto comigo e eu com ele. E um dia eu ia acabar por desistir desta ideia, como ele tanto queria, mas ele só me instigou mais ao dar-me um 'chega para lá', ainda que delicadamente. A minha mente tornou-se uma vastidão de possibilidades. Já lá vão 2 anos e ele continua a dominar o meu pensamento. A minha vida até então era tranquila, menos agitada, mas muito chata. Pelo menos, o Hugo trouxe-me uma uma razão para viver. Deu-me um objectivo, embora eu o tenho falhado completamente.
Em 2011, foi outra viragem. Licenciei-me, finalmente. Depois de todos os percalços, consegui. A área da comunicação social está longe de ser aquilo em que estou à vontade, mas foi aquilo em que acreditei na altura, aquilo em que me revi. Quando somos muito novos tomamos atitudes precipitadas. E eu sempre fui um adolescente impulsivo. Agora sofro as consequências e, por isso, para me preparar bem para o mercado de trabalho estou a pós-graduar-me na área política.
Tenho tantos sonhos. Quero ser escritor, quero ser comentador, e obviamente quero ser um bom jornalista. Quero vingar no campo profissional e sinto que nesse aspecto vou ser bem-sucedido. No resto, já não tenho tanta certeza.
A minha vida deu voltas. Deu sim. Sou um ser humano mais preparado hoje. Sei que, todos os dias, mal ponho os pés na rua, o mundo lá fora não é fácil. Ninguém está aqui para nos facilitar a vida. Estou mais preparado porque finalmente percebi que nem tudo pode ser como quero. Os meus pais falharam nesse aspecto, sempre a tentarem dar-me todo o conforto - é claro que só tenho a agradecer. Mas o Hugo mostrou-me que não é assim. Ele foi o meu primeiro grande "Não"! Embora, em certos momentos, eu tenha pretendido dar-lhe uns estalos na cara, e tenha também tentado odiá-lo, só lhe tenho de agradecer o facto de ele existir. E por mais lamechas que isso soe, é a isso que se chama amor, paixão, o que for. Aprendi muito com ele, mais do que ele imagina. Percebi que não era suposto ele existir na minha vida, mas fora dela. Foi à distância que tudo aconteceu. E tudo isto ensinou-me muito! Muito mesmo. Não posso dizer que sou uma pessoa feliz, porque não sou, mas grato sou com certeza.
E com todas as voltas que a vida ainda venha a dar, eu só espero que este miúdo consiga aquilo que ele quer, que se torne um grande profissional (inteligência não lhe faltará). Depois disto, só farei mais uma tentativa. Não me vou humilhar mais. As coisas são como são. Se ele tiver que ser o melhor que eu nunca tive, que seja.

2 Response to "A vida dá voltas"

  1. Jay Says:

    Acho que o problema não passa pela rejeição do rapaz que gostavas e que não compreendeste.
    Passa pela rejeição a que te submetes sozinho e que não compreendes.
    Dizes neste post que tiveste de provar que eras competente, que merecias estar "ali" como qualquer pessoa... a quem tiveste de provar?

  2. Miguel Says:

    Percebo o que dizes. Dou a entender que sou eu que me rejeito a mim e depois acho que são os outros que me enxovalham.
    Se cslhar foi a mim, em primeiro lugar, que eu tive de provar que merecia estar ali como qualquer outro. Mas, mesmo assim, a hostilidade à minha volta não foi fruto da minha imaginação.