Meros desabafos

Quanto mais racional tento ser, menos consigo. Este assunto desgastou-me de tal modo que já nem consigo tomar nenhuma decisão, por não ter força para isso. Ando em cima do muro há meses, sem saltar para nenhum lado. Não sei o que fazer. Não sei se insisto ou desisto. A verdade é que já estive mais convicto em prosseguir, mas também não quero ficar por aqui. O Hugo criou as regras do jogo à sua vontade e eu perdi. Contudo, foi legítimo da parte dele. Quem se meteu no caminho dele fui eu e não o contrário. Só tenho é que aguentar. Acho que é por isso que não consigo ganhar-lhe raiva de maneira nenhuma. Não consigo odiá-lo. Deve ser porque isto que sinto é mesmo autêntico. Está tudo ao contrário na minha vida. Desde a minha existência até à minha essência. E acabo por deixar as minhas inseguranças e hesitações estragarem tudo. Tenho é de enfrentar aquilo que realmente sou e dizer as coisas como elas são. Eu não tenho apenas uma orientação sexual que foge à "regra". Eu tenho um transtorno de identidade de género e não tendo sido eu a escolhê-lo, tenho de saber lidar com isso. É um assunto que me envergonha imenso, mas não posso fazer nada. Andei anos a ignorar o que me diziam e agora consigo enxergar aquilo que sou mesmo. Quando aquele amigo me disse que não compreendia o que ia na cabeça das mulheres nem na minha percebi que eu não era como os rapazes. Percebi que havia algo que não batia certo. Percebi que a minha mente não encaixava no meu corpo. Percebi, mas fingi não perceber durante anos, que tenho uma mente feminina a comandar um corpo masculino. :S E isso foi-me atribuído, não foi uma escolha. E há gente que insiste em ignorar isso, e protegem-se, daqueles que são diferentes, atrás de uma cortina de preconceito. Também me foi sugerido em tempos que eu encontrasse um rapaz bissexual para me completar, que só um homem que também se sentisse atraído por mulheres poderia ser compatível com a minha personalidade e desejos. Eu era tão novo, que ignorei tudo. O resultado foi uma vida amorosa desastrosa. Em termos amorosos sou um desastre. E na única vez que me apaixonei verdadeiramente foi por um rapaz que não me percebe, que foge de mim como se eu fosse sei lá o quê. Não consigo compreender por que é que tal coisa tinha logo de acontecer comigo, eu que nunca fui vil, que nunca prejudiquei ninguém em toda a minha vida. Vivo escondido na escuridão, a fugir do destino, com um medo constante do que possam pensar de mim por onde eu passo. Eu ponho-me a pensar e eu nem sei bem o que sou realmente. Por dentro, é como se estivesse a lutar comigo mesmo. A tentar matar aquilo que não quero ser, a tentar esconder a todo o custo o que sou, mas que é aquilo que tenho de ser. Esta luta interna, esta vergonha, esta desilusão amorosa, isto tudo está a acabar comigo. E isto não é drama. Eu fico cada vez mais com a sensação que ninguém me percebe, mesmo aqueles que me estão próximos. Ninguém me percebe, porque eu sou uma excepção (para não dizer aberração) da sociedade. Eu olho para o Hugo e ele é tudo o que se deve ser: o rapaz típico, bonito, inteligente, culto, heterossexual e por aí fora. Eu não sou nada disso. Nem nunca vou ser. Vou ser sempre considerado menos do que os outros. E só Deus sabe porque sou esta pessoa de plástico que sou hoje, que vive de marcas, luxos, futilidades, etc. Porque eu nunca ia aguentar ser considerado um verme. Tive de construir uma muralha. Só assim consegui atenuar os meus medos. E depois penso que quanto mais quis ser importante para ele, que quanto mais quis marcar presença, que quanto mais quis fazer a diferença, menos representei para ele. Acabei por ser um zero à esquerda. Zerinho! Eu continuo com tanto por dizer. Tenha tanta coisa entalada aqui dentro, mas agora não consigo dizer mais nada.

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