Quinta-feira, dia 23 de Dezembro. A semana decorre com calma. É provavelmente a semana menos melancólica dos últimos meses. Desde a minha decisão sinto-me mais leve e também mais pensativo e abstraído. Na verdade, sinto pavor do que vou fazer e o Natal está a chegar. Mas o peso em cima de mim já estava insuportável. Não consegui carregá-lo mais. E embora o Hugo tenha me dito que era melhor não saber quem eu era, na única vez que me falou, é o que irei fazer. Não posso prejudicar-me assim. Não acho certo. Não vejo mais motivos para me esconder. Mereço, como qualquer outro amigo que ele preza, ser alguém na vida dele. A minha mente está finalmente limpa das porcarias que pensei meses a fio. Não sinto mais culpa. Aceitei a realidade tal como ela é. Mas além do pavor que tenho de lhe contar, há um factor ainda mais profundo no meio disto tudo. A desilusão, que me tem ameaçado. Não quero que ele me desiluda com nenhuma atitude insensata, mesmo sabendo que acaberei por perdoar-lhe tudo. Desejo que ele consiga pensar pela cabeça dele, sem influências de outrém, sem a maldade alheia. Se ele assim o fizer, irá conseguir aceitar-me e mudar a opinião a meu respeito.Ele precisa de entender de uma vez por todas que eu não escolhi isto. Nem escolhi ser assim. Será que tenho de ser punido por algo que nunca controlei e que me ultrapassa? Verdade seja dita e tenho de estar ciente...A minha tarefa não é nem nunca foi flor que se cheire. Tenho cerca de 5 a 10% de hipóteses de conseguir chegar perto dele e essa escassa percentagem pode representar pena. E a pena dele não quero, de modo algum. Não o posso obrigar a aceitar-me, mas posso fazê-lo ver a verdade dos factos. Não quero pensar no futuro, que me assusta. Quero pensar no presente e no que tenho de fazer para me sentir melhor.
Senti-me, vezes sem conta, um castelo de cartas a um sopro de desmoronar, um desperdício de espaço, um saco plástico a flutuar no ar. Até cheguei a pôr em causa a minha existência e arrependo-me um bocado disso, já que a vida é tão curta e mal aproveitada. A minha vida tornou-se uma noite eterna, uma escuridão sem fim. Ele é o fogo de artíficio que me ilumina nessa escuridão. E eu preciso desse fogo de artíficio para colorir a vida cinzenta que tenho tido. Se existir uma faísca, há uma chance. Preciso urgentemente de luz e cor e de transformar a tempestade em arco-íris.

