O meu anjo imperfeito

No passado sábado à noite fiquei em casa e ali estava eu, à lareira, sozinho. Chorei muito, demais até para o meu gosto. Enquanto via a lenha arder, percebi que existe uma analogia entre o fogo e a minha vida. Sinto-me como lenha a arder, a ser consumida pelo forgo ardente que é a implacável vida, até que me transformo em cinza. Sinto um cansaço enorme, emocionalmente e mentalmente. O meu grande problema não foi a minha paixão não correspondida. Foi a forma como lidei com isso. Vivi demais este sentimento, pensei demasiadamente no Hugo. Dei-lhe precepitadamente o meu coração e ele atirou-o fora e nunca devia ter permitido isso. Simples como isso. Porém, a gravidade da situação vai mais fundo do que isto. Com esta rejeição e com este silêncio em que ele se protege, fiquei a pensar que não valho nada como pessoa. Desde muito pequeno que sofro de uma disfunção em termos de identidade de género. Não nasci propriamente como queria. Mas fui-me aceitando ao longo da minha adolescência, com alguma homofobia pelo meio. Escondi-me atrás da vaidade, protegi-me tentando sempre ser melhor do que todos no que fazia. Foi uma forma que encontrei para não me sentir rebaixado e nunca ser humilhado por ser assim. Ao ser desprezado pelo Hugo, pelo simples facto de ser quem sou, de ser assim, senti-me altamente afectado. Dói-me a alma desde então. Ele não me quer por perto, nem sequer como amigo, por eu ser um rapaz que o adora perdidamente e isso está a destruir-me. A minha auto-estima esvanesce-se. Eu não escolhi ser assim. Nasci assim. Segundo os/as poucos/as amigos/as que tenho aparentemente não há nada de errado comigo ainda que eu mesmo acredite pouco nisso. Já não consigo acreditar. Não lhe causei qualquer mal para ele me tratar com tanta indiferença e frieza, mesmo sabendo que eu gosto tanto dele ele prefere ignorar-me. É a escolha dele. Tenho de aceitar, por mais que me doa. O mundo é um lugar maluco no qual nunca saberei viver. As pessoas não sabem como lidar umas com as outras. Preferem confreternizar com os inimigos, fazer amizade com pessoas falsas, enquanto desprezam quem realmente gosta delas. De alguma forma, o meu caso encaixa-se aí. Admito que o Hugo é uma das pessoas mais sortudas de que tenho conhecimento. Eu estou longe disso, pois nunca terei ninguém que goste tanto de mim como eu gosto dele.
Há poucas coisas boas a retirar disto tudo, mas há. O Hugo despertou-me. A certo ponto, tive vontade de viver para lutar por aquilo que queria. Nunca tinha sentido algo tão frenético em 22 anos. Ele também fez-me sonhar, imaginar como nunca antes. Nos meus sonhos, fui livre, fui eu. Nos meus sonhos tive-o ao meu lado, a apoiar-me e eu a ele. Fomos cúmplices, amigos verdadeiros. Nos meus sonhos ele pediu-me perdão por tanto sofrimento que me causou, por tantas lágrimas que me fez chorar. Nos meus sonhos ele confessou-me os seus medos e angústias. Nos meus sonhos eu perdoei-o e ajudei-o. É duro aceitar-se a realidade tal qual como ela é, quando nos sonhos tudo é maravilhoso. O Hugo é o meu anjo imperfeito. Imperfeito por ter defeitos como todos nós; um anjo que eu sei que não me quer mal, que pensa de vez em quando em como eu sou um figura enigmática na sua vida, um anjo que se esforça para me compreender e não me fazer sofrer. O tempo urge. O que me resta fazer é contar-lhe quem sou (como já aqui tinha referido), na esperança de que olhando para mim, um dia, ele finalmente me compreenda.

2 Response to "O meu anjo imperfeito"

  1. José Says:

    Sê forte...Só te posso dizer isto.
    Tens que lutar, lutar por ti!
    Tu és uma rapaz que me parece ser maravilhoso e que tem um mundo pela frente.
    Eu não sei como dizer isto, mas sinto-me tanto eu em coisas que escreves...Se soubesses...
    Custa-me recordar e ler que coisas que eu passei, e que não desejo a ninguém, estás tu a vive-las!

    Mas vais erguer-te e conseguir...

    Vais ser forte!!!

    Força, sabes que apesar de não te conhecer já torço pela tua felicidade!

  2. Miguel Says:

    Entendo perfeitamente o que dizes! Até eu me identifico com várias coisas que leio na internet, de pessoas que contam as suas experiências de vida. Por um lado é bom, sinto-me menos sozinho nesta agonia.