O muro

O céu quebrou-se e caiu em cima de mim. Custa-me tanto sentir o que sinto. Para começar, vivo a maior farsa da minha vida. Não suporto mais mostrar algo que não sou. Fartei-me de estar como não quero. Se não estou bem, para quê mostrar sorrisos? Para quê fingir? Por que não dar a vitória a quem me quis ver mal, a quem me gozou, a quem me criticou? Eu não sou a perfeição em pessoa. Tenho de aceitar as minhas fraquezas. Um dia o gelo ia partir-se e eu não sou de pedra. E essa gente toda não me importa mais. Agora dou importância a outras coisas. Magoa pensar que o Hugo pode nunca dar-me hipótese de me explicar, de falar com ele, pelo simples facto de eu gostar dele. Por que é que eu sinto vergonha em gostar dele? Que mal há nesse sentimento puro? Sinto-me sempre sem jeito, embaraçado, quando me dirijo a ele.
Criou-se um muro entre nós. Um muro que é feito de frieza e pintado de silêncio. Ele não quer passar para o meu lado. Eu não consigo saltar para o lado dele porque ele não deixa. Do meu lado reina a desilusão, a solidão e a tristeza. Do lado dele mora o desconhecido. E mesmo que eu consiga saltar o muro, quando lhe contar quem realmente sou, só o desconhecimento e a dúvida me esperam. O desconhecimento e a dúvida que me atormentam e que não me deixam descansar um único momento. Não tenho paz há meses. A minha vida gira em torna desse momento, dessa incógnita, dessa dúvida, desse muro que há-de ser saltado. Estarei eu prestes a saltar para um buraco sem fundo? Esse muro não nos divide somente aos dois; dividiu-me a mim. Sinto-me em pedaços. Vivo cada dia de cada vez, sem querer saber o que vem a seguir. Não quero que esta agonia acabe com medo que algo pior possa vir a seguir. O muro não cai nem vai cair facilmente. Não quero forçar e parti-lo. Mas também não consigo viver com ele a separar-me daquilo que mais quero.
Depois de contar ao Hugo, o que eu queria mesmo fazer era chorar à frente dele. Chorar de uma vez tudo o que chorei durante meses. Chorar até não poder mais. Chorar para me libertar de uma vez. Chorar sem conversa! Porque emoções valem mais do que palavras. Quero que ele veja o quanto me fez mal, mesmo que tenha sido sem perceber, sem intenção. Quero que ele veja que eu nunca estive a brincar, que sofri por ele como mais ninguém sofreu por ele, que desesperei por ele como mais ninguém desesperou por ele. E apenas as lágrimas podem fazer isso por mim. Não as palavras. As palavras qualquer um invoca. Mas as emoções ninguém pode farsear. Quero saber se ele choraria por mim se eu lhe pedisse. Quero saber se ele respiraria por mim se eu sufocasse.
Alguma coisa não está bem. A minha inquietação está cada vez mais acentuada. Esta Quarta-feira, andei a vaguear pelos corredores da faculdade. Sentei-me e levantei-me inúmeras vezes. Observei Lisboa pela janela, vi o trânsito, vi a iluminação da cidade. Isto enquanto pensava nos tempos em que ele lá estudava. Sinto a presença dele em cada recanto e é uma coisa que me está incomodar e que não consigo controlar. Sou um puzzle cujas peças não encaixam. Sinto cada vez mais um vazio e uma solidão dentro de mim, que me levaram a afastar das poucas pessoas que me apoiavam e que me têm em consideração, mas que não me compreendem nem aprovam este caminho auto-destrutivo que segui. Fiquei só na minha amargura, fiquei só no meu sufoco, fiquei só na minha dor. E foi preferível assim porque já não me estavam a ajudar. Daqui para a frente sigo o caminho completamente sozinho e à medida que vou andando, olho para trás e vejo cada vez mais longe quem um dia me apoiou. Não tenho escolha. Esta é a minha vida e dela ele faz parte e quero que ele seja um amigo. Preciso disso. Preciso de sentir que todo o esforço e todo o sofrimento valeram, eventualmente, a pena.

3 Response to "O muro"

  1. José Says:

    O mundo é feito de fantoches...Rimos quando queremos choar e choramos quando deviamos rir...

    Há dias em que me sinto sozinho e abandonado, sem ter um rumo na minha vida... Sem saber se o que estou a seguir é o correcto, é o que devo fazer. Sentir-me culpado por ir pela esquerda e não pela direita...As vezes queria ter certezas, queria saber o futuro, porque tenho medo desse mesmo futuro. A verdade é que nunca vou saber nada disto, e vivo aqui dia após dia, uns dias melhores que outros...

    As vezes apetece-me tanto chorar, mas as lágriams custam a sair, talvez seja porque já chorei demais, em tempos...Mas o sorriso também não aparece, e o que fazer?

    Fico sem saber...Como qualquer um fica sem saber nada do que vai acontecer, apenas se vive, com este peso, com esta dor, com este medo...com aquilo que seja, mas sem conseguir ver uma coisa boa, uma coisa que possa dar vontade de viver em vez de sobreviver, uma coisa que parece que vemos nos outros, ALEGRIA!

    Mas como estarão os outros por detrás da capa que escondem?

    Enfim, já te chateei demais...

    Um Abraço,
    José

  2. Miguel Says:

    O teu melhor comentário até ao momento. Muito genuínas as tuas palavras.

    Também já me custa chorar, por ter chorado muito anteriormente.
    E pergunto-me o mesmo muitas vezes...Não sei se os outros serão assim tão felizes como penso. Mas como estou mal, parece que todos à minha volta e arredores estão bem.

    Força e ânimo!

  3. José Says:

    Sem dúvida que pensamos sempre que o "foram felizes para sempre" acontecem com os outros, e que os males da vida só nos calham a nós...

    Mas a verdade é que se nós não acharmos que estamos mal ninguém olha para nós...Podem ser amigos, namorados, familia...Um dia somos só nós...

    E temos que lutar sozinhos, e sobreviver sozinhos, e viver sozinhos...

    O coração fica com uma dor horrivel quando escrevo isto, mas gostava que ainda pudesse escrever aqui alguma coisa do género: Ainda bem que és feliz Miguel!...